Preciso de Amor
Era tarde de
sexta-feira, junho de 2008. Cansada de um dia cheio de trabalho, carregava as
compras do mercado, aquelas alças da sacola de plástico quase se rompendo e
marcando fortemente minhas mãos. Adentro
a casa e vejo toda aquela imensidão, ela estava grande demais e vazia. Eu me sentia triste, quase nem existia de
tanta solidão. Eu que até então não sentira falta de nada, era autossuficiente,
naquele dia acordara deprimida, sentindo falta até do escandaloso caminhão que
recolhia o lixo todas as sextas-feiras. Nem ele naquele dia havia passado. Sentia
uma falta enorme dos amigos, da mãe que já não falava alguns meses. Saí de casa
brigada com ela. Meus cachorros que deixei pra trás, ainda lembro-me dos
olhinhos tristes e caídos. Quanta saudade me invadiu o peito naquele dia. Por
onde estão meus amigos agora? Eles nunca me deixaram sozinha. Na cozinha nem
meu companheiro fogão quis me ajudar. As bocas não acediam, deviam estar
entupidas. No quarto as fotos dos amigos espalhadas pela cômoda. Vários
porta-retratos e mensagens deixadas por eles. Na gaveta os álbuns com as fotos
da família, mãe, irmãos, os bichos... Que tempo bom, mas que era melhor não
lembrar. Minha arrogância me consumia bem mais do que a tristeza. Vaguei pela
cidade naquele dia até o anoitecer. Eu não queria ficar em casa. Sentia falta de
alguma coisa, que nem mesmo eu sabia o que. Talvez soubesse, mas preferia não
dar importância. Existe uma fase na vida da gente que acreditamos piamente que não precisamos de mais ninguém
para viver. Sozinho se pode ir muito
mais longe. O fato é que um dia, naquele dia em que ninguém está por perto,
você acorda precisando de alguém. Até a árvore parece lhe sorrir. Mas é só
imaginação. Sua solidão é tamanha que se duvidar você até conversa com a
árvore. Comecei a reparar nas pessoas que caminhavam pelas ruas. Casais de mãos
dadas olhando as vitrines, afinal se aproximava o dia dos namorados. Famílias
caminhando, outras sentadas nos bancos da praça, amigos jogando conversa fora
na beira do rio... E eu ali, sozinha. A espera de alguém para conversar. O que
eu mais queria naquele momento é que alguém se aproximasse para trocar nem que fossem três míseras
palavras. Depois de tantos desencontros e decepções amorosas, tinha me
fechado para relações devastadoras. Mas neste dia era o que fazia falta. Alguém
a quem pudesse confiar e me divertir...
Depois de tanto vagar,
quase 22 horas volto para casa, tomo meu banho e me enfio debaixo das cobertas,
estava frio, o telefone tocava e eu não queria atendê-lo, era minha amiga dando
sinal de vida. Mas àquela altura preferia ficar com as minhas cobertas e o
filme Marley e EU que eu já havia visto pelo menos trinta vezes.
Insistentemente e compulsivamente ela me ligava. Até que resolvo atender. Era
para um encontro informal entre amigos, bater papo, jogar conversa fora. Tudo
que eu queria até algumas horas atrás, pois neste momento a raiva me consumia
pelo abandono de 12 horas que ela me fizera sofrer. Enfim, rendo-me e ofereço
minha ilustre presença. Afinal, mesmo
consumida pela tristeza a minha arrogância ainda sobrevivera dentro de mim.
Lá pelas tantas da
madrugada, decidimos ir embora, ela me deixaria em casa. Tivera sido assim se
não tivesse atropelado um rapaz que passava pela calçada. Conhecido do dono da
casa é arrastado para dentro, todos muito preocupados querendo saber se estava
machucado, se estava tudo bem. Eu? Não estava nem aí, já tinha visto que ele
estava bem, devia ser mais um desocupado da vida, meu subconsciente já fazia o
julgamento sem nem mesmo ter visto direito a cara dele. Aquela ladainha estendeu-se por quase uma
hora. Estava frio na rua, sem saída devo adentrar a casa novamente. Eis que
avisto a imagem mais linda, aquele rapaz que acabara de ter sido levemente
atropelado pela Clau, sentado na cozinha. Naquele momento eu apaguei, é como se
eu visse tudo de cima, mas eu ainda estava com os pés no chão. Aqueles olhos,
aquele rosto... Eu já não via mais nada além dele. Flutuei. Era um príncipe.
Com a pata manca e sem o cavalo branco, mas ainda era um príncipe. Então sentei para poder observá-lo melhor. A musica em baixo som voltou a tocar. Mas
todos voavam a minha volta. Como borboletas. Faziam barulhos, sons estranhos.
Não via nem ouvia mais ninguém alem daquele rapaz. Estaria eu vivendo no País
das Maravilhas, quem sabe virei Alice? Pudera, mas não. Era o amor tomando
conta de mim e expulsando aquela tristeza e mau humor que habitara meu coração
por mais de dois ou três anos. Não trocamos nenhuma palavra, sequer um oi! Por
algumas vezes nossos olhos se cruzaram. Depois com mais frequência e mais, até
que nos olhamos por mais de um minuto. Volto pra casa sem ouvir a voz dele, sem
nem mesmo conversar e saber mais sobre ele, mas aquela imagem ainda permanece a
minha frente. Os dias se passam e não nos encontramos mais. Em lugar algum. Mas
ele não me sai do pensamento. Vire e mexe seu rosto vem à tona. Começo a procurá-la entre os amigos, e nada.
Ninguém sabe dele, ninguém nem o vira mais.
Seria ele um fantasma? Será que eu sonhei
todos estes dias com alguém que não existe?
Como pode alguém desaparecer do nada? Onde fora parar aquele rapaz que
tivera quebrado a pedra que eu havia me tornado? Pra onde ele foi? Quase um ano
se passou. E eu não tinha mais noticias do meu príncipe. Nem mesmo o numero de
telefone que meus amigos tinham, tocava. Vivia na caixa postal. O amor havia
enfim acontecido pra mim, mas não poderia vivê-lo. Sem seu paradeiro, como
seria possível lhe contar todo o meu carinho?
Eis que saindo do
supermercado, avisto alguém muito parecido com ele. Aqueles cabelos e olhos
negros brilhantes... Estava sentado em
frente à rodoviária. Fui me aproximando, coração desesperado a cada
passo de aproximação. Quando chego bem
perto, tenho a certeza, era ele. Tive
medo de me aproximar e ele nem se lembrar de mim. Mas eu já não podia mais
viver sem notícia. Sem saber como estava. Precisava acabar com aquela agonia.
Não era possível um amor platônico a esta altura da vida.
Crio coragem e então me
aproximo: - Oi, tudo bem? Lembra-se de mim?
- Sim, como poderia
esquecer-te, moras no meu pensamento desde aquela noite.
- Surpresa e confusa
desconverso: O que fazes aqui? O que tem feito que nunca mais o vi? Nunca mais tive notícias suas (...).
- Porque, me
procuraste?
- Sim, por toda parte.
- Por quê?
- Porque naquela noite
em que te conheci, levaste contigo uma parte de mim...
- Eu sei uma parte
minha também ficou contigo...
Abraçamos-nos
enfim, como esperei por este abraço, pelo calor dos braços. Eu sentia o coração
dele batendo no meu. Aquelas borboletas que faziam um barulho estranho,
sobrevoaram novamente, desta vez, sobre nós. Eu flutuava, mas ainda sentia os
pés no chão. Minha cabeça girava e eu podia ouvir a canção do amor, sinos,
varinhas de condão e balangandãs. Enfim reencontrara meu príncipe, aquele que
com uma única aparição transformou meus dias em uma busca constante pelo seu
paradeiro até finalmente nos reencontrarmos.
Eu sabia que ele existia. Só não sabia que ele também esperava por mim.
Cinco anos se passaram e não mais nos deixamos, sequer um segundo com medo de
nos perdermos de vista na primeira dobrada de esquina.